A nova ambição

Boaventura de Sousa Santos



Respira-se na nossa universidade um desejo de mudança.

Uma sensação difusa de que as notáveis capacidades humanas, técnicas e profissionais de que dispomos não têm sido plenamente utilizadas combina-se com uma convicção muito forte de que somos capazes de colectivamente fazer muito melhor.

Apesar do dinamismo de muitos seus professores e centros de investigação e do reconhecimento internacional que justamente têm grangeado, apesar de os novos desafios nos baterem à porta todos os dias, a verdade é que, no plano institucional, a nossa universidade estagnou nos últimos trinta anos. Essa estagnação tornou-se particularmente visível—e dolorosa, para muitos de nós—quando contrastada com o dinamismo das novas universidades criadas neste período, algumas delas por empenho e entusiasmo de professores formados na nossa universidade.

Perdemos algum tempo mas, paradoxalmente, fomos ganhando uma experiência preciosa: a de que, não podendo viver à custa dos louros históricos, estes, longe de serem um fardo, podem ser produtivamente convertidos na medida da exigência e da possibilidade de ambicionar e realizar imensamente mais.

Para isso é necessário romper com as três grandes causas da estagnação. A primeira foi o fechamento dos feudos facultários, disciplinares e partidários criadores de rotinas excludentes, gestões irracionais e alienação dos espíritos criativos e empreendedores. Daí, a nossa aposta numa universidade mais democrática, mais participativa, mais transparente, mais prestadora de contas.

A segunda causa da estagnação foi a ausência de uma visão estratégica que permitisse identificar com antecedência os desafios, avaliar as nossas vantagens comparativas e mobilizar a comunidade universitária para os enfrentar, posicionando-se nas melhores condições e nos melhores momentos. Muito antes de processo de Bolonha tinha-se tornado claro que o futuro das universidades estava na investigação e nos programas de doutoramento. Esse futuro implica muita coisa para além da investigação e dos doutoramentos. Implica uma nova gestão do tempo dos professores e critérios de promoção, uma nova cultura administrativa, uma nova gestão dos espaços, uma nova cultura de acolhimento, uma nova relação com a cidade. Daí, a nossa aposta na investigação e nos doutoramentos com a consciência de tudo aquilo que implicam. Daí, a nossa concepção de um Conselho Geral com vontade e intervenção estratégicas.

A terceira causa da estagnação foi a preguiça da história, a ideia de que a nossa história estava feita, falava por nós, e nos garantia sem esforço um lugar no mundo globalizado da universidade do futuro. Mesmo que isso nos custe admitir, deixámo-nos transformar num bordel histórico à espera de ser disfrutado por quem nos procurasse. Daí, a nossa aposta numa internacionalização consciente, pro-activa, orientada pela ideia de que podemos ser uma universidade-charneira entre o mundo europeu e norte-americano, por um lado, e o mundo latino-americano, africano e asiático, por outro. Temos bem presente que foi na nossa universidade que se formaram os primeiros arautos da globalização. Não nos reconhecemos em tudo o que fizeram mas também não enjeitamos sermos herdeiros críticos desse passado. Apenas queremos fazer melhor, mais solidariamente com um mundo cuja compreensão excede em muito a compreensão ocidental que dele criou a nossa universidade.